Matéria Escura e Energia Escura - (Parte 1)



Itajubá/ MG/ Brasil

   28/02/2023


   Introdução

        

         No início da década de 1980, quando iniciei minha graduação em Física, não se sabia muita coisa sobre a expansão do universo além dos estudos iniciados por Hubble, Humason e SlipherEdwin Hubble foi um astrônomo americano que desempenhou um papel fundamental na descoberta da expansão do universo. Na década de 1920, Hubble estudou as nebulosas espirais e descobriu que algumas delas eram, na verdade, galáxias distantes semelhantes à Via Láctea. Ele também descobriu que essas galáxias estavam se afastando da Terra em todas as direções, o que sugeria que o universo estava em expansão. Hubble descobriu que quanto mais distante uma galáxia estava, mais rápido ela se afastava de nós. Essa relação entre a distância e a velocidade de afastamento ficou conhecida como a Lei de Hubble. A Lei de Hubble é expressa pela equação v = H0 x d, onde v é a velocidade de afastamento, d é a distância e H0 é a constante de Hubble. A descoberta da Lei de Hubble foi fundamental para a compreensão da natureza do universo e do seu passado e futuro evolutivo. Ela forneceu a primeira evidência observacional de que o universo estava em expansão, o que levou ao desenvolvimento do modelo cosmológico do Big Bang.

            No episódio 10 da série original Cosmos intitulado, “O Limiar da Eternidade”, Carl Sagan explica de forma magistral com o conhecimento da década de 1980 qual era a grande questão cosmológica daquele momento; se o universo tinha massa suficiente para frear a velocidade de expansão ou se a quantidade de massa não seria suficiente para isso, com a consequente expansão eterna até o total esfriamento. A proposta básica oferecida pelos astrofísicos da época seria mapear todo o universo observável e fazer um balanço quantificado de matéria e energia disponíveis no cosmos. O conceito de matéria e energia escura ainda era pouco difundido. 

         O conceito de matéria escura foi proposto pela primeira vez na década de 1930 pelo astrônomo suíço Fritz Zwicky. Em seus estudos sobre o movimento das galáxias no aglomerado de galáxias Coma, Zwicky notou que a massa total observada das galáxias era muito menor do que a massa necessária para manter a coesão do aglomerado. Ele propôs que havia uma quantidade significativa de matéria não observada, que ele chamou de "matéria escura", que explicaria essa diferença de massa. No entanto, a ideia de matéria escura não ganhou muita atenção na época e foi esquecida até a década de 1970, quando a astrônoma americana Vera Rubin e sua equipe observaram um fenômeno semelhante em outras galáxias. 

         Vera Rubin (1928-2016) foi uma astrofísica americana que fez contribuições significativas para o estudo da matéria escura no universo. Ela foi a primeira a fornecer evidências observacionais da existência de matéria escura, uma forma de matéria que não pode ser vista diretamente, mas cuja presença pode ser inferida através dos seus efeitos gravitacionais sobre a luz e a matéria visível. Vera Rubin começou a fazer suas pesquisas sobre a rotação de galáxias espirais e a evidência da existência de matéria escura na década de 1960. Ela continuou a trabalhar nessa área por décadas, com muitas de suas pesquisas mais significativas sendo realizadas nas décadas de 1970 e 1980. Seus estudos foram conduzidos principalmente no Observatório Nacional de Kitt Peak, no Arizona, e no Observatório Palomar, na Califórnia, onde ela trabalhou com telescópios de alta resolução para observar as galáxias e analisar os dados obtidos. Seus achados revolucionaram a compreensão da física do universo e influenciaram significativamente a cosmologia moderna. Em particular, Rubin estudou a rotação de galáxias espirais e descobriu que as estrelas nas bordas dessas galáxias orbitam mais rapidamente do que o esperado com base na distribuição de matéria visível. Ela concluiu que deveria haver uma quantidade significativa de matéria invisível e não detectada, ou seja, matéria escura, que estava afetando a velocidade das estrelas. Rubin recebeu muitas honras e prêmios por seu trabalho, incluindo a Medalha Nacional de Ciências em 1993 e a Medalha de Ouro da Royal Astronomical Society em 1996. Ela também foi a primeira mulher a ter permissão para observar no Observatório Palomar, na Califórnia, e dedicou-se a promover a igualdade de gênero na ciência.

Sabemos atualmente que energia e matéria escura são dois conceitos fundamentais na física moderna e que, embora ainda sejam pouco compreendidos, têm desempenhado um papel crucial na explicação da estrutura e evolução do universo. A matéria escura é uma forma de matéria que não emite, absorve ou reflete luz, mas que exerce uma força gravitacional significativa sobre a matéria normal, como estrelas, planetas e galáxias. Embora a existência da matéria escura tenha sido proposta pela primeira vez na década de 1930, ainda não se sabe ao certo do que ela é composta. A energia escura, por sua vez, é uma forma de energia que permeia todo o espaço e que parece estar acelerando a expansão do universo. A descoberta da energia escura foi uma das maiores surpresas da cosmologia moderna e levou a uma grande mudança de paradigma na nossa compreensão da evolução do universo. Embora a matéria escura e a energia escura sejam conceitos diferentes, elas estão intimamente relacionadas. Na verdade, muitos pesquisadores acreditam que a matéria escura é a chave para entender a natureza da energia escura e vice-versa. Uma das principais razões para isso é que a matéria escura é responsável pela formação das estruturas no universo, como galáxias e aglomerados de galáxias. Sem a matéria escura, as flutuações primordiais no universo não teriam sido grandes o suficiente para permitir a formação dessas estruturas. No entanto, as observações indicam que a matéria escura representa apenas cerca de 27% da densidade de matéria-energia total do universo. A energia escura, por sua vez, representa cerca de 68% da densidade de matéria-energia, com o restante sendo composto por matéria visível, como estrelas e galáxias, Fig.1.



Figura 1 - A figura mostra o diagrama em forma de pizza 3d convencionalmente utilizado para mostrar a composição básica do nosso universo. Os valores oscilam levemente conforme os grupos de pesquisas envolvidos. Mas o fato, é que apenas cerca de 0.001% é radiação que pode ser captada para ser estudada por nós humanos. Tudo que sabemos até hoje advém da análise dessa radiação e da observação da Matéria Normal.

Isso levou muitos pesquisadores a especularem sobre a possibilidade de que a energia escura esteja relacionada com a matéria escura, ou que ambas sejam manifestações de uma única entidade física ainda desconhecida. Uma das teorias mais populares nesse sentido é a teoria da quintessência, que propõe que a energia escura seja uma forma de campo escalar que varia no espaço e no tempo. Segundo essa teoria, a matéria escura seria composta por partículas que interagem com esse campo escalar, o que explicaria a relação entre as duas entidades. No entanto, até o momento, não há evidências observacionais diretas que comprovem essa teoria ou qualquer outra que relacione a energia e a matéria escura. A maioria das evidências para a existência da matéria e da energia escura vem de observações astronômicas, como o estudo da distribuição de galáxias e da radiação cósmica de fundo.

A busca por entender a natureza da energia e da matéria escura é um dos maiores desafios da física moderna e tem implicações importantes para a nossa compreensão do universo como um todo. Alguns dos objetivos dessa busca incluem a descoberta da partícula fundamental que compõe a matéria escura, a compreensão da dinâmica da energia escura e a verificação experimental de teorias que relacionam as duas entidades. Para alcançar esses objetivos, os cientistas utilizam uma variedade de abordagens, incluindo a realização de experimentos em laboratórios subterrâneos para detectar partículas de matéria escura, o estudo da expansão do universo através de supernovas distantes e a análise da radiação cósmica de fundo. Além disso, a busca por entender a energia e a matéria escura tem implicações importantes para outras áreas da física, como a teoria quântica de campos e a relatividade geral. A compreensão dessas entidades pode levar a uma compreensão mais profunda da natureza da gravidade, da estrutura do espaço-tempo e da relação entre a física clássica e a quântica.

       A relação entre a matéria escura, a energia escura e a contínua expansão acelerada do universo é uma das maiores questões da astrofísica e da cosmologia moderna. A matéria escura é uma forma de matéria que não emite, absorve ou reflete ondas eletromagnéticas, tornando-a invisível aos telescópios convencionais. No entanto, sua presença pode ser inferida a partir de seu efeito gravitacional sobre a matéria visível. Acredita-se que a matéria escura  possa explicar a distribuição de galáxias e a formação de estruturas no universo. A energia escura, por outro lado, é uma forma de energia que é responsável pela aceleração da expansão do universo. Ao contrário da matéria escura, a energia escura não interage com a matéria visível ou a matéria escura, mas parece estar presente em todo o espaço. A contínua expansão acelerada do universo é um fenômeno observado desde a década de 1990, a partir da análise de supernovas distantes. Acredita-se que a energia escura seja responsável por essa aceleração, atuando como uma espécie de "força repulsiva" que contrabalança a atração gravitacional da matéria comum e da matéria escura. Em resumo, a matéria escura e a energia escura são componentes essenciais do modelo cosmológico atual, sendo necessárias para explicar as observações do universo em grande escala. A relação entre elas está no fato de que, enquanto a matéria escura atua como uma "força atraente" que ajuda a formar estruturas, a energia escura atua como uma "força repulsiva" que impulsiona a expansão do universo, Figura 2.



Figura 2 - Esse é um diagrama clássico que mostra o histórico extrapolando a sequência de expansão do universo. A concepção desse diagrama é possível hoje em dia, porque sabemos que o universo se expande aceleradamente desde o evento Big Bang. Sabemos atualmente que para que isso seja dessa forma, tem de haver uma Energia escura e uma Matéria escura. Em outras palavras, todas as nossas observações conduzem a lógica da existência de Matéria e Energia Escura.

      Essa explicação, e esses gráficos, representa o que há de mais simples para o entendimento da energia e matéria escura relacionadas a expansão do universo. As teorias mais profundas são complexas e  por demais áridas para o leigo. Mas nesse ponto é extremamente importante entender que isso representa a maior parte do que, por assim dizer, é  a ponta do iceberg acima do oceano. Qualquer coisa além disso ainda é; ou complicado demais para um leigo ou fantasioso demais para um cientistas. Precisamos entender que a ciência avança significativamente nessa área e que é bastante saudável que o maior numero de pessoas possível tenha acesso a esse conhecimento. Entretanto, é importante separar constantemente ciência, da pseudo ciência e das falsas conclusões. Muita gente que não é cientista utiliza informação verdadeira para extrair falsas conclusões. Isso é muito tentador principalmente na Mídia Digital pois rende clicks e joinhas com muita facilidade. Um exemplo de falsa conclusão é confundir o tamanho do universo com o tamanho do universo observável. O primeiro é impossível e inconcebível de se conhecer e o segundo muda o tempo todo com o advento de novas tecnologias. Outro exemplo, é concluir que o universo se expande mais rápido do que a velocidade da luz, sem conhecer a teoria da relatividade restrita, a teoria da relatividade geral e a física da expansão superluminal. Tenho visto muito disso nas publicações do Instagram e percebo claramente que o expositor não conhece física a fundo suficiente para evitar certos erros de interpretação. Dito isso, o que realmente sabemos sobre a matéria e energia escura? A matéria escura permeia o espaço por todo o universo, agora mesmo um pouco de matéria escura pode estar atravessando seu corpo e percorrendo o interior da terra sem que ninguém perceba. Um foguete ou espaçonave pode atravessar matéria escura sem se dar conta. Não existe interação direta com a matéria comum. A matéria escura não pode ser observada diretamente por qualquer telescópio e aparentemente sequer constatada pelos nossos sentidos. Não é o caso de ter uma coisa sólida que não podemos ver no espaço porque é escura. Não é isso. Se fosse isso, seria matéria comum não iluminada da cor preta.  O mesmo é válido para a Energia Escura, não pode ser detectada pelos nossos sentidos e até agora por nenhum instrumento. Tudo que sabemos sobre ambas entidades advém de análises indiretas. A única maneira de aprender mais sobre isso é refinando ao máximo nosso conhecimento direto sobre a matéria e energia normal do cosmos. Isso fornece subsídios para teorizar, calcular e concluir fatos que nos permitirá quem sabe imaginar uma maneira de eventualmente interagir com matéria e energia escura.  

Participação brasileira no estudo da Matéria e Energia Escura

           Poucos sabem, mas o Brasil participa ativamente das pesquisas sobre matéria e energia escura, através do LNA (Laboratório Nacional de Astrofísica) e do IAG (Instituto Astronômico e Geofísico). O primeiro é uma instituição federal diretamente ligada ao ministério da Ciência Tecnologia e Inovação e o segundo é um Instituto da Universidade de São Paulo. O LNA é atualmente responsável pelo projeto FOCCoS. O projeto FOCCoS (Fiber Optical Cable and Connectors System) cuja tradução para o português é (Cabo de Fibras Ópticas e Sistemas de Conectores) tem como objetivo construir um cabo de fibras ópticas, tecnicamente otimizado e elaborado com as terminações adequadas para servir de interface óptica entre um telescópio e um espectrógrafo. As terminações desse cabo perfazem uma entrada de luz proveniente do telescópio, uma saída de luz em forma de fenda iluminada para vários espectrógrafos e um banco de conectores múltiplos de fibras ópticas de alta performance.  FOCCoS é parte integrante de um projeto maior, o PFS (Prime Focus Spectrograph), que visa construir um instrumento capaz de coletar luz de milhares de objetos astronômicos ao mesmo tempo para análise espectrográfica. O objetivo científico final será a análise científica da matéria e energia escuraque representam atualmente uma das grandes fronteiras da ciência. O instrumento, deverá ser instalado no telescópio japonês SUBARU situado no Havaí.  A escolha desse telescópio reside no fato de que é um telescópio com espelho de 8 metros de diâmetro construído num sítio de alta performance óptica e que, portanto, reverterá num grande aproveitamento científico. Dentro do contexto desse projeto, o Japão, através do Kavli Institute for the Physics and Mathematics of the Universe(WPI), e a Universidade de Tokyo, lideram um consórcio de vários centros de pesquisas na área de astronomia para a condução desse projeto. 

           Apenas para se ter uma idéia, o instrumento consiste basicamente de cabos contendo cerca de 2400 fibras ópticas com mais de 60 metros de comprimento. Um lado do cabo tem as terminações de fibras ópticas acopladas em microlentes presas a micromotores piezelétricos. Então são 2400 extremidades de fibras ópticas patrulhando cada uma, uma pequena área de circulo com cerca de 10 mm de diâmetro. O processamento de todos os micromotores posicionam as extremidades das fibras ópticas para coletarem luz de 2400 objetos espaciais ao mesmo tempo. A outra extremidade do cabo óptico é distribuída ao longo de 4 espectrógrafos para decomposição da luz de cada fibra proveniente de cada objeto espacial previamente focalizado. Isso significa que em poucas horas é possível processar o espectro de milhares de estrelas ou galáxias. Esse será provavelmente o maior espectrógrafo multi-objeto já construído até agora. Com tamanha quantidade de informação, por noite de observação, será possível em poucos anos aumentar de forma extraordinária nosso conhecimento sobre o universo observável. Mas isso é exatamente o tipo de pesquisa que irá fazer um balanço da matéria e energia conforme sugeria Carl Sagan e os astrofísicos dos anos 90. Parece que chegamos lá.

Chassi da Slit de fibras ópticas para um dos 4 espectrógrafos sendo montado no Laboratório Nacional de Astrofísica

Montagem do case da Slit de fibras ópticas de um dos 4 espectrógrafos no Laboratório Nacional de Astrofísica




Ultimo dos quatro cabos principais, contendo cerca de 600 fibras ópticas de alta performance 
em fase de montagem para ser enviado ao telescópio Subaru.


Pente de micromotores piezelétricos com as extremidades de fibras ópticas acopladas a microlentes para patrulhamento de céu. Cada haste do eixo de cada motor faz um movimento de precessão e rotação controlado por microprocessadores. Isso define uma área de cobertura para um circulo de 10 mm de diâmetro para cada fibra óptica. As fibras ópticas foram preparadas, polidas e coladas por uma equipe do LNA (Brasil) em conjunto com outra equipe do Caltech (USA).


Subaru Telescope: A nexus of next generation astronomy collaboration

Fotografia mostrando a camara PFI (Prime Focus Instrument) no topo do telescópio Subaru. A câmara PFI contem o arranjo dos 2400 motores piezoelétricos para posicionar as 2400 fibras ópticas. As fibras são cabeadas para fora da câmara através das espátulas de sustentação através de conectores de fibras ópticas de alta performance. 

          Um dos principais objetivos do PFS é estudar a energia escura e a matéria escura no universo, fenômenos que ainda são pouco compreendidos pela ciência. A comunidade científica brasileira liderada pelo Professor Laerte Sobre do IAG/USP tem participado ativamente do desenvolvimento do PFS e dos estudos relacionados à energia escura e matéria escura. O Brasil é um dos países parceiros do projeto, juntamente com Japão, França, Estados Unidos, Taiwan e Canadá, e contribuiu com a construção de todo o sistema de fibras ópticas. Além disso, pesquisadores brasileiros estão envolvidos em diversos projetos científicos que serão realizados com o PFS, incluindo estudos da distribuição de galáxias no universo e da evolução da estrutura cósmica. Esses estudos ajudarão a compreender a natureza da energia escura e da matéria escura, bem como a entender melhor a formação e evolução das galáxias.


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