Um vírus na Caixa de Pandora

Itajubá - MG - Brasil
    18/06/2020
Pode se viver toda uma vida sem presenciar nenhum acontecimento realmente extraordinário a nível planetário. Mais do que isso, pode se viver várias vidas sem se tomar conhecimento de um acontecimento extraordinário a nível planetário. Desse ponto de vista, a Pandemia de COVID 19 causada pelo novo Coronavírus pode ser considerada algo realmente extraordinário a nível planetário. Digamos que todas as especulações da Ficção Científica, Profecias Místicas e Previsões Científicas se tornaram realidade nesse momento da História humana. Uma Pandemia como essa foi prevista seriamente e várias vezes nos últimos 10 anos. Não me refiro as previsões da FC ou dos profetas do apocalipse espalhados pelo mundo. Me refiro sim, as previsões de cunho científico. Houve vários alertas para potenciais agentes biológicos infecciosos incluindo fortemente os vírus tipo corona. Para quem trabalha na área de Biologia de ecossistemas é muito fácil imaginar esse tipo de evento. Com efeito, a previsão mais recente e talvez a mais certeira foi a dos cientistas chineses que previram no inicio de março de 2019 algo semelhante à COVID 19, com base na pesquisa de vírus tipo corona em populações de morcegos e também com base nas evidencias trazidas à tona pelas epidemias anteriores de Sars (síndrome respiratória aguda) e Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio). Mas não é necessário ser Biólogo ou estudioso da área para se alcançar uma previsão como essa. De fato, algumas pessoas notáveis foram capazes disso mesmo não sendo especialistas. Entre elas, Bill Gates que alertou para um risco de pandemia global sem sequer citar especificamente os vírus corona. Nesse caso, a previsão se baseia num contexto de pura lógica. Em outras palavras, se simplesmente conhecemos um pouco de História ao mesmo tempo em que somos capazes de entender as consequências do nosso modo de vida, fica evidente o que o futuro pode nos trazer. Vamos tentar abordar uma análise dentro dos parâmetros lógicos. A primeira coisa a ser considerada nessa análise é o fato de que vivemos num planeta com quase 10 bilhões de habitantes, dos quais aproximadamente 1 bilhão são analfabetos ou quase isso e cerca de 3,5 bilhões de pessoas ainda lutam para satisfazer as necessidades básicas. Adicione-se a isso o fato de que existem pelo menos 2,2 bilhões de pessoas no mundo sem acesso a água potável ou coleta de esgoto. Isso por si só já configura uma bomba relógio para o surgimento de uma Pandemia. O estopim é basicamente a mutação de um vírus ou uma bactéria que se alastre por essa população desassistida e subsequentemente pelo restante da população do planeta. Essa abordagem pode ser enriquecida com diversos outros parâmetros, mas apenas o que foi citado já permite alguma conclusão. Como seres humanos gostamos de ser teatrais e enfeitar as possibilidades com fantasias místicas e fictícias. A FC criou várias narrativas sobre o apocalipse Zumbi ou vírus do vampirismo ou mesmo infestações oriundas do espaço através de invasões extraterrestres. Não precisamos desses ingredientes para ter um extermínio global de seres humanos no planeta. A própria maneira de lidarmos com o que temos pode representar um perigo imediato dentro dessa configuração de bomba relógio. A destruição de ecossistemas e exploração desenfreada de recursos naturais também pesa na balança. Isso acontece porque determinados biomas que estavam intactos por milhares ou centenas de milhares de anos estão sendo expostos ao contato humano. Muitos desses biomas contem vírus desconhecidos que podem ser potencialmente letais se forem capazes de infectar seres humanos. Um exemplo interessante é o do vírus Ebola. Não sabemos ainda se o vírus Ebola surgiu em tempos recentes como consequência de alguma mutação de um vírus pré-existente e inofensivo, ou se ele já existia nessa configuração atual a milhares ou milhões de anos. Mas o fato é que apenas em nossa história recente ele causou surtos epidêmicos. O primeiro surto ocorreu em 1976 no Sudão e no Congo simultaneamente. A pergunta em questão é se o vírus estava escondido em algum hospedeiro que subitamente foi intercambiado para outros biomas pelo homem ou se estava latente em um ambiente adormecido. Se ele já existia em sua configuração mortal, ele estava preso em sua "Caixa de Pandora" e alguém abriu. Um caso interessante que se encaixa nesse contexto são os vírus gigantes descobertos em camadas profundas de Permafrost. Alguns desses vírus dormentes por cerca de 30.000 anos foram revividos e capazes de infectar amebas em laboratórios. Nenhum deles foi capaz de infectar células humanas, mas os pesquisadores alertaram que pode haver uma infinidade de outros vírus dormentes em camadas de Permafrost que eventualmente podem ser potencialmente perigosos para seres humanos. Mas isso parece tão distante de nossa realidade, talvez um bom tema a ser explorado pela FC. Talvez, muito mais realístico do que considerar vírus ou bactérias advindas de outro planeta. Mas isso não quer dizer impossível, pois as circunstâncias podem mudar e as consequências podem se tornar desastrosas. A razão disso reside no fato de que nós humanos não estamos preparados para enfrentar esse tipo de problema. Basta observar nosso comportamento atual com relação a Pandemia de COVID 19. É fácil constatar a quantidade de pessoas andando nas ruas sem mascaras de proteção, sem se preocupar com o distanciamento social ou sem lavar as mãos com frequência. Isso para não dizer das pessoas que sequer acreditam que estamos vivendo uma Pandemia planetária e que o vírus é real. Sim, elas existem em enorme quantidade, seja por pura ignorância, seja por falta de instrução ou por viver em regiões onde os governantes não se mostrem preocupados com o problema. Com efeito, o resultado de toda essa indisciplina se resume em duas palavras, Morte e Pobreza. Morte porque muita gente morre mesmo em consequência da doença e Pobreza porque o mundo vai empobrecer tanto pela perda da força de trabalho quanto pela deterioração da economia. Ainda que o Coronavírus não seja potencialmente capaz de exterminar a raça humana, acho que nem arranha essa possibilidade, ele já causou um grande estrago na economia mundial e vai matar muito gente no final das contas. Mas pense por um instante, se ele fosse apenas duas vezes mais mortal e quatro vezes mais contagioso. 
A Caixa de Pandora se mostra de formas diferentes e pode nos dar problemas bem diferentes. Na situação atual, ela foi aberta pela falta de controle na saúde pública e pela falta de protocolos civis para a população do local de origem. Tanto o Ebola quanto o novo Coronavírus parecem ter se originado no consumo de carne de animais exóticos respectivamente, macacos e morcegos, advindos de biomas naturais. Mas não dá para limitar de culpa a população do Sudão ou do Congo por comerem carne de macacos selvagens. Sabe-se lá que dificuldades essas populações enfrentam para obterem algum tipo de proteína em seus países pobres e mal administrados.  Analogamente, não é possível limitar a culpa ao governo chinês por ser indiferente ao inicio da Pandemia como quer fazer crer o governo americano. A culpa não é limitada a esse ou aquele, é de todo mundo. Todos que de alguma forma são negligentes no combate ao vírus, desde o governante que demora para tomar uma decisão radical, passando pelo profissional de saúde que por medo se afasta do trabalho até o cidadão comum que não faz o mínimo esforço para usar uma mascara de proteção por simplesmente não acreditar que existe o vírus. Sim, é exatamente isso, não acredita que o vírus exista ou simplesmente não acredita que ele faça algum mal. Nesse contexto, para um planeta com quase 10 bilhões de pessoas, com boa parte dela se esforçando para sobreviver, o grau de ignorância e indisciplina é por si só a abertura da Caixa de Pandora. Isso me lembra um dos episódios da serie televisiva de FC “O Planeta dos Macacos”. No episódio em questão, “The Cure”, os protagonistas se encontram em uma pequena vila assolada por Malária. É um trabalho enorme tentar convencer, a humanos e mais ainda os macacos, que o agente transmissor é um simples mosquito. Afinal, como poderia um simples mosquito pequeno e aparentemente inofensivo ser o responsável por tantas mortes e sofrimentos. É mais ou menos isso que o gorila “Urko” diz em termos de deboche aos astronautas “Alan Virdon” e “Peter Burke”, quando pacientemente eles tentam explicar a origem da doença que eles sabem se tratar da Malária transmitida por mosquitos. Quem assistiu esse episódio vai encontrar similaridades com a vida real, do momento extraordinário que estamos vivendo, ainda que em regiões específicas. As pessoas, por pura ignorância não usam mascaras ou tomam qualquer tipo de cuidado simplesmente porque não querem acreditar. Nesse caso, o “não querer acreditar” é mais cômodo pois não dá trabalho e não exige mudança de comportamento. Mas existe também o lado oposto da mesma ignorância que é o “querer acreditar”. Parte da população quer acreditar em soluções idiotas tais como, pinga com mel, vitamina D em excesso, limão com agua em jejum, vodca em altas doses diárias, remédios já descartados, etc. Tudo isso é reflexo de nossa ignorância, como população planetária, ou não queremos acreditar ou queremos acreditar demais. Uma vez aberta a Caixa de Pandora, esse é o terreno mais fértil possível para a destruição se propagar de forma avassaladora.
Vivemos atualmente um momento extraordinariamente crítico de nossa história que vai exigir 6 atitudes muito importantes:

1- Saneamento básico para todos. Se queremos manter controle sobre proliferação de agentes patogênicos, devemos investir em saneamento básico para toda a população da terra com esgoto e água tratada. Isso é obrigação de governos.
2- Espírito crítico honesto. A observação do que acontece em relação a doença no mundo todo exige uma análise lógica, sem preconceitos, sem mágoas, sem culpas, sem medo e com objetividade. Isso é obrigação de todos, governo e população. 
3- Aceitação dos fatos.  As pessoas precisam aceitar o fato de que a doença está aí e ponto final, não se trata de uma teoria da conspiração ou invenção de políticos. Há provas mais que suficientes disso.
4- Disseminação de informações científicas corretas. Governos locais devem se comprometer com a divulgação de dados científicos confiáveis para a população barrando as Fake News e enfatizando o que é real.
5- Tomada de decisões. Governos locais devem estar envolvidos na tomada de decisões rápidas sem se importar com qualquer outro efeito que não seja proteger a população. A economia é importante, mas deve estar sempre em segundo lugar.
6- Disciplina. A população precisa adquirir hábitos disciplinares permanentes que combatam a proliferação do vírus de forma permanente. Não adianta achar que esses hábitos serão temporários por apenas algumas semanas ou meses. A disciplina começa na educação.

Entendemos que isso é muito difícil de se atingir em uma escala planetária, mas o Coronavírus já atingiu a escala planetária. Ou nos equiparamos ao vírus, ou perderemos a guerra. Perder a guerra aqui não significa o extermínio da humanidade, pois esse vírus não é capaz disso. Mas significa que iremos conviver com ele não apenas por alguns meses, mas por anos ou décadas a menos que uma droga eficiente seja descoberta. Sem uma política agressiva e invasiva para combater esse vírus podemos ter de viver na restrição por décadas. Já ficou claro que a imunidade após a convalescência perdura por apenas 3 ou 4 meses. Isso significa que nunca atingiremos uma imunidade de rebanho e, portanto, o vírus não vai desaparecer. Ele vai se tornar sazonal e afetar a população continuamente. Levará décadas para toda a população adquirir resistência natural e ainda assim, o fator mutagênico pode dificultar mais as coisas. Mesmo com o desenvolvimento de vacinas ou drogas específicas, imagina a dificuldade de produzir bilhões de doses para toda a população do planeta. Se pretendemos nos tornar uma espécie multi-planetária e perdurar, devemos ser mais cuidadosos e disciplinados. Caso contrario, poderemos vivenciar acontecimentos extraordinários ruins frequentemente. Eventualmente, a próxima Caixa de Pandora pode ser muito pior do que o Coronavírus do que o Ebola ou pior ainda, uma mistura dos dois com o potencial de transmissão do Corona e a letalidade do Ebola. Nesse caso, a próxima Pandemia pode realmente ter potencial de extermínio. 


No momento em terminei esse texto parte disso já está acontecendo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou, no dia 1º de junho, que a República Democrática do Congo apresentou um novo surto de ebola em uma região da cidade de Mbandaka. Os novos casos dessa doença grave chegam em paralelo à pandemia de coronavírus (Sars-CoV-2) e a uma disseminação exponencial do sarampo naquele país. 

Leia mais em: https://saude.abril.com.br/medicina/novo-surto-de-ebola-o-que-voce-deve-saber-sobre-esse-virus/












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