O problema do Tricorder

            
O Problema do Tricorder - Parte 2

            Pela época em que Carlos Castañeda perambulava pelo deserto de sonora em companhia de Don Juan Matus, a série clássica de Star Treck era apresentada originalmente na TV. Embora o velho índio Yaki não precisasse de nenhum equipamento tecnológico para se guiar pelo inóspito deserto de Sonora, não consigo deixar de pensar como um Tricorder seria útil para Castañeda. Claro que isso seria contraproducente para o aprendizado dos guerreiros de Don Juan, mas, pensando como um cientista da “ Federação Unida dos Planetas ” e da “Frota Estelar”, a interação seria completamente diferente. Bom, acho que isso poderia até mesmo ser enredo para construir um episódio das novas series. O problema do Tricorder a ser abordado nesse contexto é se o instrumento é uma simples extensão de nossos sentidos ordinários ou se extrapola esses sentidos. A resposta não é muito simples e vou tentar explicar porque.
            Conforme comentei no texto anterior, construí um protótipo de Tricorder o qual denominei de Tricorduino 1.0 e ele reúne potencialidades interessantes dentro da realidade científica atualmente disponível ao cidadão comum que dispõe de algum conhecimento de eletrônica e programação. Essas capacidades são:

1-    Função CLIMA; com temperatura ambiente, pressão atmosférica, umidade do ar, altitude e ponto de orvalho.
2-    Função Storm; com detecção de relâmpagos distancia e intensidade e velocidade do vento.
3-    Função Light; com medidores de intensidade de luz visível, infravermelha e ultravioleta.
4-    Função Sound; com medidor de intensidade sonora e forma de ondas do espectro audível.
5-    Função Geiger; com sensor de radiação gama e raios cósmicos.
6-    Função RF; com medidor de radio frequência e micro-ondas
7-    Função TEMP/ IR; com sensor térmico infravermelho, radar ultrassónico de distancia até 4 metros e radar óptico de distancia até 12 metros.
8-    Função GASES; com sensor indicador de 8 tipos de gases diferentes.
9-    Função Atmosfera; com indicadores de níveis de Oxigênio e Dióxido de Carbono no meio ambiente.
10- Função FIELDS; com sensor para medida de campo magnético ambiente, aceleração e sensor de campo elétrico de baixa frequência.

            Fato é que dentro do conceito original do Tricorder elaborado pelos criadores da serie Star Trek, o dispositivo que construí está mais para uma coleção de sensores do que propriamente um Tricorder.  Cada um desses sensores opera em instrumentos isolados que já fazem parte do cotidiano de muitos profissionais em nosso mundo atual. Por exemplo, engenheiros e marceneiros utilizam réguas ultrassónicas ou réguas ópticas para medidas de distancia. Sensores de gases são atualmente utilizados em refinarias de petróleo, laboratórios de pesquisa ou mesmo como instrumento de campo para avaliação de áreas potencialmente perigosas por vazamento de gases. Medidores de radiação ultravioleta também estão disponíveis para qualquer pessoa interessada em se proteger do sol sem depender da meteorologia informativa. Enfim, todos esses sensores e detectores estão de alguma forma disponíveis para o uso cotidiano de profissionais ou mesmo qualquer pessoa interessada. Então, o que é exatamente um Tricorder e como Tricorduino 1.0 se aproxima do Tricorder sem, contudo, ser um Tricorder. Um Tricorder é basicamente um instrumento mais inteligente, com potencialidades que se permeiam entre si e oferece, portanto, uma profunda análise de um alvo ou de um meio ambiente. Para entender isso, basta saber que Tricorduino 1.0 é fácil de ser operado pois exige apenas o sequenciamento de funções e suas respectivas leituras. Um Tricorder por outro lado, exige um conhecimento e um treinamento para entender a permeabilidade entre suas funções. Essa pelo menos é a ideia que o enredo dos episódios nos passam. Gene Roddenberry o criador da série disse certa vez que aquele que construísse um instrumento real com todas as características de um Tricorder fictício teria o direito de chamar esse instrumento de Tricorder. É claro que isso é basicamente uma jogada de proteção de direitos autorais, mas não deixa de ter um certo fundamento. No episódio da série clássica denominado em português Lamento por Adonis” e no original em inglês “Who Mourns for Adoais”, o então Tenente Comandante Scott é ironicamente questionado pelo Capitão Kirk se seria capaz de usar um Tricorder ao que ele prontamente responde que estava capacitado para usar o Tricorder. Indicações como essas e outras embutidas nos episódios nos levam a crer que um Tricorder exige algum treinamento para ser manipulado. Parece conter algo como um espectrógrafo de alta resolução com computação em nível de inteligência artificial fornecendo dados que poderiam ser cruzados e interpolados para obter informações de muitas coisas diferentes. Ainda estamos longe disto, pelo menos no nível do cidadão comum. Entretanto, durante os testes com Tricorduino 1.0, descobri algumas coisas interessantes que eu não imaginei de imediato que seriam possíveis. As Funções Geiger, RF, Fields e Storm, me mostraram potencialidades muito interessantes que podem ser exploradas numa segunda versão do instrumento e que podem aproximar um pouco mais Tricorduino de um Tricorder. Durante os testes observei algumas coisas muito interessantes que vou descrever aqui. A primeira delas foi com a função Geiger. Por várias vezes, longe de fontes radioativas ou equipamentos de raios X, consegui observar aumentos súbitos de radiação Gama sem nenhuma razão aparente. Isso é característico de raios cósmicos cujas fontes são objetos estelares distantes que por vezes explodem ou ficam ativos por curtos intervalos de tempo emitindo radiação Gama ou X. Esse tipo de radiação viaja pelo espaço a velocidade da luz por distancias consideráveis, chegando na terra as vezes depois de milhares de anos depois de serem emitidas. Ninguém imagina que esse tipo de coisa bombardeia nossos corpos de vez em quando, mas isso vem acontecendo desde o surgimento da vida neste planeta. Além disso, esse tipo de radiação é diretamente responsável por mutações em nosso DNA alterando para melhor ou pior conforme a sorte ou azar. O sensor usado para medir raios Gama é o (Pocket Geiger Radiation Sensor - Type 5) fornecido pela “Sparkfun”. O que existe de interessante aqui, é que podemos medir curtas variações intensas ou longas variações fracas de radiação Gama. Isso por si só é útil para explorar o desconhecido dentro de condições de vida sustentável, características de Planetas classe M, pela denominação da Federação nas séries de Star Trek. Na nossa realidade, condições de vida sustentável, implica em baixos índices de radiação Gama, já que altos níveis dessa radiação simplesmente podem fritar os circuitos eletrônicos de um Tricorduino logo depois do DNA do operador tiver sido seriamente avariado. Uma segunda coisa interessante que observei durante os testes foi com a Função RF. Essa função me permitiu observar que vivemos num ambiente inundado por Radio Frequências num amplo espectro. Por exemplo, pude observar que os melhores aparelhos de micro-ondas do mercado deixam escapar fluxos de micro-ondas que aparentemente são indetectáveis. É possível também rastrear antenas de serviço para telefonia celular ou mesmo ligações de celulares nas proximidades. A Função FIELDS é particularmente interessante devido a sensibilidade do sensor de campo magnético “LSM303”. Trata-se de um sensor licenciado para vários fabricantes e que contem um módulo magnetômetro de 3d e um módulo acelerômetro 3d. Ele requer uma calibração prévia para medir o campo magnético da terra. É realmente incrível como ele se comporta numa área com estrutura de metais ferromagnéticos, tanto em termos geofísicos quanto em termos estruturais. É possível ter uma boa ideia do meio ambiente magnético ou eletromagnético de uma certa área. Ainda dentro dessa função o medidor de campo elétrico de baixa frequência pode ser tão sensível quanto se queira. Optei simplesmente por uma antena diretamente conectada numa entrada analógica da placa Arduino. Só isso, é suficiente para rastrear fios energizados em conduítes externos ou detectar se uma cerca elétrica está ou não operacional. Se inserirmos um ou dois transistores amplificadores é possível detectar sinais de redes de transmissão elétrica, a algumas dezenas de metros. Finalmente gostaria de destacar a Função Storm, que acho, vai muito além do que promete. Essa função conta com um sensor de raios (AS3935) da “PWFusion”. Basicamente é possível detectar um relâmpago a mais de 70 km de distancia e também sua energia em elétron-volts. Uma combinação de direção e velocidade do vento com um mapa dos raios permite prever a aproximação ou afastamento de uma tempestade com algumas horas de antecedência sem meteorologia. Para uma equipe de desembarque num planeta Classe M isso poderia ser fundamental para o desempenho da missão. Mas pense em como isso pode ser útil para campistas, escoteiros ou mesmo pessoas que vivem longe de qualquer centro urbano. Contudo, o mais interessante que observei nessa função foi o fato de que é possível detectar distúrbios elétricos tais como, curtos circuitos caseiros, disparos de armas TASERS, solda elétrica nas proximidades e o que talvez seja mais interessante ainda, distúrbios sem nenhuma razão aparente. Por diversas vezes detectei distúrbios não identificados de baixa intensidade sem nenhuma razão aparente. Tal fato aconteceu algumas vezes em dois instrumentos diferentes num mesmo tempo. Isso sugere que pode haver coisas acontecendo ao nosso redor que somos completamente alheios porque não vemos, mas que estão lá e merecem serem exploradas.
            Creio que agora podemos arriscar uma resposta para a pergunta na qual iniciamos esse texto. Um Tricorder precisa nos dar indicações precisas sobre o que sabemos que pode acontecer ao nosso redor, mas também requer a capacidade de nos dar indicações de coisas estranhas que nunca esperamos que vá acontecer. Mais ainda, deve fornecer meios para manipulação dos dados por si próprio e com ajuda externa para convergir informações estranhas para um resultado lógico. Dito dessa forma pode soar um tanto quanto lógico, mas é exatamente isso que não podemos fazer por nós mesmos. Não é como simplesmente ler a temperatura em um termômetro, pois com algum treinamento pode se até acertar a temperatura com bons palpites. Quem leu Castañeda vai entender isso um pouco melhor. Basta lembrar que entre os vários ensinamentos de Don Juan para Carlos Castañeda havia sempre uma premissa muito importante, a de que o mundo não é exatamente o que nossos sentidos nos fazem crer que é. Acho que é isso que podemos esperar de um verdadeiro Tricorder, ou seja, nos mostrar o que realmente está lá fora.
            No próximo artigo, vou disponibilizar todos os detalhes técnicos e o código de programa de Tricorduino 1.0, para quem estiver interessado em se aventurar por esse nosso mundo tão velho, porém tão desconhecido de nós mesmos.  


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