De Volta as Estrelas
Uma de minhas muitas lembranças da infância, pela época em quase todo mundo assistia os únicos seriados disponíveis na TV aberta, Jornada nas Estrelas, Perdidos no Espaço, Viagem ao Fundo Mar, Terra de Gigantes e o Túnel do Tempo, é a de que havia um grande plano para o futuro da humanidade. Na verdade, trata-se da lembrança de um sentimento que permeava grande parte de minha geração. Como seria o futuro, perguntava-me frequentemente. Minha lembrança é a de que tinha uma forte crença em um futuro com um mundo cheio de tubos pneumáticos de transportes seguro e de alta velocidade, foguetes e naves espaciais cruzando o céu carregando astronautas para todos os planetas do nosso sistema solar. Sempre imaginei um futuro com o mundo cheio dos robôs de Isaac Asimova nos servir por aí em cidades futurísticas por assim dizer. Mas então, o futuro chegou e nada disso aconteceu. Não vejo os tubos pneumáticos, ninguém mais sequer voltou a lua depois da Apolo 17, não há robôs humanoides espalhados por aí para nos servir e as cidades não são nem um pouco futurísticas. Em fim, parece que o futuro nunca chega ou não chegou ainda. Será isso mesmo? A resposta é que obviamente o futuro chegou sim, o que não chegou foi um futuro com a imagem concebida pelos futuristas do passado. A linha do tempo é obviamente orgânica demais para ser traçada de uma forma simplista e o futuro se modela seguindo equações com muitas variáveis. Por exemplo, nenhum escritor de ficção científica se preocupou muito com o tratamento de esgoto e dejetos de uma cidade e hoje em dia isso certamente é um problema que requer mais atenção do que tubos pneumáticos de transporte de passageiros. Da mesma forma, muito se escreveu em ficção sobre guerras futurísticas, mas pouco se pensou sobre guerras politicas e comerciais, problemas recursivos na história da humanidade. Especulou-se muito sobre doenças espalhafatosas como o vírus Zumbi, mas quase nenhum crédito foi dado ao vírus do simples resfriado e o Corona vírusestá agora presente entre nós. O fato é que nós humanos não temos muita noção de nossa própria evolução dentro de nosso tempo de vida. É necessário um grande esforço analítico para perceber nossa evolução dentro de nosso tempo de vida útil. Por outro lado, é muito mais fácil analisar a evolução dentro de um contexto histórico pois, esta, se revela de uma forma resumida e mais compreensível à nossa mente linear. Por exemplo, qualquer pessoa pode dizer que os telefones celulares não evoluíram muito nos últimos cinco anos. Mas qualquer pessoa com mais de 70 anos pode atestar que os telefones em geral evoluíram significativamente desde sua infância. Isso acontece porque o contraste diferencial é muito maior para um período de 70 anos do que para um período de cinco anos.
Vamos então fazer um pequeno esforço analítico sobre o que hoje é presente, mas que foi considerado futuro 50 anos atrás. Vejam bem, se a 50 anos atrás alguém pensava no mundo de hoje com espaçonaves cruzando o sistema solar, não há muito erro nisso. De fato, os humanos encheram o sistema solar com espaçonaves de sondagem. Todo nosso conhecimento atual dos planetas do sistema solar se deve as dezenas de sondas interplanetárias lançadas por foguetes. Não pisamos ainda em Marte e nem voltamos a lua no século XXI, mas estamos continuamente nos preparando para isso. O momento atual é quase equivalente ao século que antecedeu os grandes empreendimentos marítimas dos países europeus e que culminou na descoberta das Américas e outros continentes. Resguardando as devidas proporções de ambas as empreitadas, da mesma forma que construímos caravelas para cruzar os oceanos estamos construindo naves espaciais para cruzar o espaço entre os planetas. A exploração do espaço é muito mais lenta pois demanda uma gama muito mais abrangente de tecnologia. Viajar pelos oceanos exige alguma tecnologia naval, conhecimento básico de astronomia, alguma estocagem de alimento e muita coragem. Viajar pelo espaço exige tecnologia de suporte de vida para durar meses, geração e processamento de energia de alta complexidade, conhecimento avançado de astronomia, telecomunicações de alto desempenho e muito mais coragem. Junta-se a isso o fato de que o motor das caravelas é apenas o vento, enquanto os motores das espaçonaves consomem milhões de litros de combustíveis explosivos e voláteis. De fato, as dificuldades são comparativamente maiores, mas o momento que antecede a guinada histórica parece ser o mesmo. Dentro de nosso pequeno exercício analítico é possível perceber essa guinada. Ela aconteceu em 22 de dezembro de 2015 quando a “SpaceX”após colocar 11 satélites em orbita fez o foguete lançador retornar e aterrissar verticalmente e incólume. Na verdade, essa não foi a primeira vez que um foguete aterrissou verticalmente com seus propulsores. Aproximadamente 6 meses antes o feito foi conseguido por um foguete experimental no Texas, contudo, foi a primeira vez que o procedimento ocorreu com êxito após o lançamento efetivo de satélites. O procedimento é agora totalmente operacional e isso significa um salto enorme em direção aquele possível futuro digamos, a La Flash Gordon. Uma vez que isso seja claro, do ponto de vista de nossa análise, é fácil perceber que isso vai alavancar a exploração espacial de uma forma nunca antes vista. Mas não é só a questão do desenvolvimento tecnológico. Existe também alguma coisa da psicologia humana envolvida nisso tudo. Dentro desse contexto podemos nos perguntar porque coisas como essas demoram para acontecer. Porque isso não aconteceu logo em seguida a missão Apolo? Será que podemos acreditar que a razão seria puramente tecnológica? Claro que isso faz muita diferença, mas não é só isso. Se fosse só isso, a História humana seria alguma coisa muito linear e fácil de ser prevista.
Uma coisa muito clara de ser percebida é que os programas espaciais governamentais são extremamente caros e dispendiosos. Então é fácil perceber que nunca vamos ter um consenso com a relação custo benefício desses empreendimentos se eles forem avante através de dinheiro público por entidades governamentais. Ainda que estejamos falando da NASA, que é uma entidade extremamente eficiente, a pesquisa espacial não é prioridade direta para o cidadão comum. Ela é útil, aliás, extremamente útil pelo que disponibiliza, para o cidadão comum, tecnologia de uso diário. Mas como ela pode ser útil e ao mesmo tempo não ser prioridade direta. A pesquisa espacial não é prioridade direta na medida em que no momento a raça humana prioriza diretamente, saúde, bem-estar social, educação, moradia, entre outras coisas para quase 8 bilhões de pessoas. Por outro lado, a pesquisa espacial deve se tornar prioridade direta a longo prazo. Precisamos ser capazes de viver fora da terra, precisamos ser capazes de colonizar outros mundos, precisamos ser capazes de alcançar outras estrelas. Se formos uma espécie longeva vamos depender disso pois nossos recursos terrestres vão se esgotar. Nosso próprio sol vai se tornar inóspito algum dia. O cidadão comum não sabe nada sobre isso ou se sabe apenas se conforma com o fato de que isso será um problema para as futuras gerações. Mas não é bem assim, pois se não começarmos agora as futuras gerações não terão tempo. Ciência não se caracteriza de uma hora para a outra, e tecnologia não surge sem investimentos e testes. Nesse contexto, a iniciativa privada aliada a um pouco de genialidade e loucura pessoal pode ajudar bastante. O nome dele é Elon Muske ele é nada menos do que o dono da SpaceX. Mas o que levaum homem brilhante, multimilionário e bem-sucedido em várias atividades econômicas, a torrar milhões com pesquisa espacial. Difícil saber quão lucrativo pode ser uma atividade como essa dentro do âmbito civil e privado. Mas certamente ela é bem-vinda nesse momento de nossa história. No meu eterno ceticismo, fui surpreendido várias vezes pelos resultados da SpaceX. Foi assim quando vi o pouso vertical de dois foguetes Falcon 9ocorrendo simultaneamente, ou quando vi o voo controlado do Starhopper durante os testes iniciais para a Starship. Feitos como esse me fizeram acreditar que existe sim um futuro espacial para a raça humana. Como Elon Muskcostuma dizer em suas palestras, estamos a ponto de nos tornar uma civilização Multi-Planetária. No contexto histórico costumo comparar o dono da SpaceX com uma mistura de duas pessoas; Cristovão Colombo e Isabel 1arainha de Castela que unificou a Espanha. O primeiro pelo espírito conquistador e desbravador e a segunda pelo espírito investidor ainda que sob a perspectiva de lucros. Resumindo, Elon Musk financia propriamente seu espirito de explorador por assim dizer. Se isso é bom para ele, somente ele pode saber, mas certamente será bom para a humanidade como civilização. Conquanto os governos não possam investir pesadamente nessas atividades sem negligenciar as prioridades diretas por assim dizer, investimentos privados como a SpaceXou como a Virgin Galactic, Planetary Reseources e a Blue Origin, serão sempre bem-vindos.
Mas como fica o futuro, como ficam os tubos pneumáticos de transportes individuais e os carros voadores dos Jetsons...etc e etc? Bem, eles vão surgir a qualquer momento mesmo que não seja no meu ou no seu tempo de vida. Tudo é uma questão de tempo, necessidade e prioridade. Quem viver verá.
Antonio Cesar de Oliveira
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