Rápida abordagem sobre o uso da radiação UV como agente germicida

 Itajubá - MG - Brasil

08/03/2021

Em época de Pandemia como a que estamos vivenciando nesse momento de nossa história, uma das grandes preocupações é como desinfetar e esterilizar ambientes, materiais e alimentos. Isso porque no caso, a Pandemia de COVID 19 é causada por um tipo de corona vírus. Não podemos ainda eliminar o vírus depois de inoculado no corpo, mas podemos destruí-lo enquanto contaminante do ambiente. Isso por si só não é difícil e pode ser alcançado com diversos produtos químicos inclusive álcool e cloro. Entretanto, existe um modo mais simples e possivelmente mais eficiente de fazer isso. Esse modo é através da radiação ultravioleta. O processo de esterilização por UV é tecnicamente simples e consiste apenas na irradiação das amostras com luz ultravioleta. Mas como tudo isso funciona realmente. A radiação UV é definida no intervalo do espectro eletromagnético em comprimentos de ondas situado entre 120 a 320 nm. Dentro desse intervalo costuma-se definir 4 subintervalos:

 

1-                    Ultravioleta longínquo ..................FUV  _  120 nm até 200 nm

2-                    Ultravioleta C ...............................UVC  _  100 nm até 280 nm

3-                    Ultravioleta médio.........................MU    _ 200 nm até 300 nm

4-                    Ultravioleta B ...............................UVB  _ 280 nm até 315 nm     

 

Essa subdivisão é bastante útil do ponto de vista acadêmico, mas o que é realmente conhecido das pessoas em geral são as faixas UVC e UVB. A faixa coberta pelo UVB é de extrema importância no processo de transformação do ergosterol em vitamina D. Exatamente isso, é a radiação ultravioleta do sol que promove a síntese da vitamina D no corpo e não a radiação visível ou luz branca. Portanto, a radiação UVB é benéfica e necessária. Por outro lado, os raios UVC como são geralmente denominados, são potencialmente perigosos e podem induzir diversos tipos de câncer na pele. Isso acontece porque essa faixa de comprimento de onda, quando absorvida por proteínas e ácidos nucleicos provoca o rompimento de cromossomos, mutações genéticas, inativação de proteínas e consequentemente a morte da célula. Exatamente por essa característica, essa faixa de radiação ultravioleta pode ser utilizada como agente irradiante bactericida. Isso significa, potencial destruição de bactérias e vírus. A faixa de radiação ultravioleta longínqua, embora seja extremamente energética, é completamente ineficiente como agente germicida pois é absorvida facilmente por moléculas de agua e de oxigênio.  Embora seja cientificamente viável a esterilização por irradiação ultravioleta o processo ainda é muito menos explorado do que deveria. Talvez porque a ideia de que a radiação ultravioleta seja potencialmente cancerígena. Principalmente nos últimos 10 anos intensas campanhas, de conscientização para se proteger dos raios ultravioletas do sol, foram divulgadas por entidades governamentais e de saúde. Dessa forma, por pura ignorância, muita gente acaba desenvolvendo a falsa ideia de que deve se afastar de tudo que emite radiação ultravioleta. De fato, deve se evitar exposição da radiação ultravioleta seja ela proveniente do sol ou de qualquer outra fonte artificial. Deve se evitar também a exposição dos olhos a radiação ultravioleta de qualquer tipo pois todo o espectro ultravioleta acelera a formação de catarata ocular pelo endurecimento do cristalino. Mas isso pode ser feito com cuidado e inteligência seletiva. Não precisamos evitar completamente a exposição ao sol pois precisamos de UVB para processar vitamina D em nossos corpos. Da mesma forma, não precisamos usar protetores solares ou óculos de proteção dentro de casa apenas porque dispomos de uma ou outra lâmpada fluorescente. Também não é necessário ter pavor de usar uma capela de descontaminação por UV. Isso pode ser feito com absoluta segurança e se bem feito pode ser muito mais eficiente do que a utilização de produtos químicos. Imagine o aumento na quantidade de detergentes e produtos químicos poluentes despejados nos rios por conta da atual pandemia de corona vírus. Claro que nem tudo pode ser desinfetado com radiação UV, mas possivelmente a maior parte das coisas poderia efetivamente ser esterilizada dessa forma e com segurança. A ideia em si, não é novidade. Laboratórios de biologia que lidam com bactérias e vírus de alta periculosidade possuem cortinas UV como barreiras de isolamento e ou áreas de descontaminação para transição segura com o mundo exterior. O comércio oferece vários modelos de dispositivos de esterilização por radiação UV, desde filtros de água até pequenos scanners portáteis. Açougues e supermercados usam lâmpadas UV para aumentar o tempo de vida das carnes e das frutas freando a decomposição por bactérias. Dessa forma, tudo é uma questão de se adaptar a tecnologia disponível da forma mais segura e eficiente possível. 

            Em se tratando de segurança com radiação UV, precisamos pensar nos seguintes fatores; comprimento de onda, intensidade da radiação ionizante, controle do tempo de exposição e contenção do ambiente de esterilização. Baixas intensidades e comprimento de onda errado simplesmente não vão esterilizar nada. Nesse caso, será apenas um banho de luz inútil e a crença de que tudo está bem quando na verdade nada está bem. Para o leigo essa é uma dificuldade natural pois quantas pessoas comuns estariam qualificadas e equipadas para medir comprimentos de onda e intensidade de radiação. Em razão disso, é até complicado saber se um determinado equipamento adquirido comercialmente está realmente adequado para esterilização. Muitos fabricantes, por excesso de zelo, podem ajustar seus projetos para níveis de radiação completamente inofensivos e por causa disso, completamente ineficientes. Obviamente que isso acarreta outro problema tão grave quanto uma lesão cancerígena, a não esterilização da amostra e consequentemente uma possível contaminação viral ou bacteriológica. Tenho analisado diversos dispositivos que prometem alto grau de eficiência, mas na verdade poderiam ser utilizados como brinquedos para crianças sem nenhum efeito deletério. Minha solução específica para esse problema foi desenvolver minha própria capela de descontaminação UV considerando operar com comprimentos de onda adequados e intensidade superestimada. Para que isso seja seguro, é necessário estabelecer criteriosamente os dois outros fatores de segurança, o controle de tempo de exposição e a contenção do ambiente de esterilização. 

A fonte de radiação UV mais confiável para esse tipo de projeto é uma lâmpada de vapor de mercúrio dessas utilizadas em postes de iluminação de ruas. Essa é o que chamamos de lâmpada dupla, pois possui um bulbo pequeno onde o vapor de mercúrio é ativado, dentro de um bulbo maior revestido com material branco. Basicamente quando o vapor de mercúrio em alta pressão dentro do bulbo menor é submetido a uma diferença de potencial elétrico forma-se um plasma de vapor de mercúrio ionizado que emite varias linhas emissão. Isso significa que o bulbo interior emite fótons em diferentes e específicos comprimentos de onda, incluindo na região UVC. A radiação UV emitida pelo bulbo interno atinge o pó branco, “óxidos de bário ou estrôncio”, na parede interna do bulbo externo e é convertida em luz branca intensa. Esse processo é bastante eficiente, mas não é completo e alguma radiação UV escapa do interior da lâmpada. Essa é a razão pela qual não devemos usar lâmpadas como essa dentro das casas. Nos postes das ruas elas estão suficientemente distantes para não produzirem efeitos deletérios nos transeuntes. Entretanto, se o bulbo externo dessa lâmpada for adequadamente removido, a intensidade de radiação UV liberada pode ser extremamente intensa. Essa é, portanto, uma fonte de radiação UV totalmente adequada para processos de descontaminação. Se for montada dentro de uma capela de coberta com material opaco ou tecido grosso na cor escura pode ser utilizada de forma segura. Essas lâmpadas são disponíveis para 220 Volts e nas opções de 250, 400 e 1000 Watts de potência. O bulbo externo pode ser quebrado com cuidado e segurança dentro de um saco plástico duplo. A borda de vidro em torno da base de metal, deve ser cuidadosamente removida com alicate de bico, utilizando luvas e óculos de proteção. Todo o espaço dentro do soquete deve ser preenchido com epóxi ou massa plástica para remover os pontos afiados e perigosos. O vidro quebrado do bulbo externo removido deve ser descartado adequadamente de forma segura. Definitivamente, essa não é uma tarefa para qualquer um e deve ser feito com cuidado extremo. Entretanto, existem opções seguras de lâmpadas de vapor de mercúrio com bulbo externo transparente que podem ser utilizadas sem a necessidade de serem quebradas. A única dificuldade é que elas não são encontradas facilmente no comercio convencional. Esse tipo de lâmpada em geral trabalha com 220 volts e via de regra requer um reator para um funcionamento adequado. 

Tenho utilizado uma capela com uma lâmpada de 400 watts para descontaminação de compras de supermercados por mais de 4 meses e tem sido um processo bastante seguro e eficiente. É necessário mudar a posição das amostras para evitar que algumas faces dessas amostras fiquem protegidas da radiação UV. Qualquer operação de introdução, remoção ou mudança de posição das amostras deve ser feita com a lâmpada desligada. Minha capela possui cerca de 1 metro cubico e distribuo as amostras dentro desse volume sem muito critério de proximidade. Apenas mantenho exposição por cerca de 15 minutos, que é um intervalo de tempo um pouco superior ao que tenho visto em artigos científicos sobre o tema. A regra dos 15 minutos é uma regra pessoal e não se baseia numa avaliação de mérito. Entretanto, acredito que estou pecando pelo excesso mantendo a proteção total para quem esteja do lado externo da capela. Efetivamente, ninguém por perto fica exposto ao mínimo que seja de radiação UV por um segundo sequer. Por outro lado, o que está dentro da capela é superexposto a uma dose maciça de radiação UV.  Isso garante que os micro-organismos sejam neutralizados.  Uma vez que a radiação UV não é como a radioatividade nuclear, então não existe problemas de contaminação das amostras por radiação. Também tenho usado uma capela semelhante para descontaminação de roupas de trabalho, mascaras e encomendas em caixas e envelopes.

            Existem vários estudos sobre a utilização de radiação ultravioleta como agente esterilizador e eles podem facilmente serem encontrados na internet. Particularmente gosto de citar um que é bastante objetivo e de  fácil compreensão:

https://www.researchgate.net/publication/250050383_Avaliacao_da_eficiencia_da_radiacao_ultravioleta_na_esterilizacao_de_embalagens_plasticas

Dentro do novo “Normal”que provavelmente iremos viver, essa poderá ser uma de nossas defesas mais eficientes disponíveis para combater o“corona vírus”e outros agentes bacteriológicos que podemos ter de enfrentar no futuro. 

            Se você se interessa em fazer uso de radiação UV como agente germicida, meu conselho como primeira opção, é procurar um produto certificado por um fabricante idôneo. Mas se você pretende trabalhar em nível experimental siga como regra fundamental os quatro fatores abordados anteriormente nesse texto: comprimento de onda, intensidade da radiação ionizante, controle do tempo de exposição e principalmente a contenção do ambiente de esterilização. Acima de tudo, não se exponha a nenhum banho de luz UV mesmo que por pouco tempo sem adequada proteção. Evite também olhar diretamente para qualquer lâmpada UV sem usar óculos de proteção contra radiação UV.

 

 

 

 

 

 

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